O orgulho - Força ou fragilidade
- Rosana Andrade Pina

- 31 de out. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 1 de nov. de 2023
Fui procurar, no dicionário, o significado da palavra orgulho e encontrei o seguinte:
Orgulho é:
1.conceito exagerado que alguém faz de si próprio; vaidade
2.soberba, altivez
3.sentido de dignidade pessoal; brio, pundonor
4.sentimento de satisfação por feito realizado por si ou por outrem
5.sentimento de satisfação com os méritos de algo ou de alguém
6.o que causa essa satisfação
Como é que uma só palavra pode ter tantos significados, tantos sentidos que ao mesmo tempo são tão opostos.
Partilhar ou não partilhar - Eis a questão
Antes de escrever e publicar este texto pensei muito, tive dúvidas se partilharia ou não.
Se seria possível para mim expor-me desta maneira.
Acabei por decidir ir adiante e aqui estou eu a falar-vos de algo que não me é fácil partilhar, mas que se torna necessário, pois acredito que falo de algo que também vai fazer sentido a muitas mulheres e também a homens por aí fora.
Há uns bons anos atrás numa festa, quando ainda era adolescente, ouvi alguém contar uma "piada" sobre a diferença entre mulher branca e mulher negra. Nesta pequena história a mulher branca era retratada como frágil e sensível, enquanto a mulher negra era retratada como alguém com a mesma força e postura da de um homem agressivo.
Na altura, apesar de ser uma piada, que afinal não era assim tão engraçada quanto isso, eu ri-me, pensando: - Pois é, connosco ninguém faz farinha. Não há ninguém que se meta connosco.
E foi passado muitos anos que descobri a verdade por detrás desta “piada”.
A realidade nua e crua daquilo que, na verdade, ela escondia. Como afinal, esta força toda não passava de uma fachada, disfarçada de orgulho. Uma fachada que, lá no fundo, bem lá no fundo, escondia o medo de mostrar as minhas fragilidades, ou por outras palavras, que eu também sou humana.
Esta piada, sem piada traz muito mais do que se lhe diga.
Pensemos na história.
Ao estudar sobre o feminismo, aprendi algo extremamente pertinente e que trouxe muita reflexão sobre mim mesma. Aprendi que apesar de todas sermos mulheres, a luta da mulher branca era diferente do da mulher negra, pelo facto dos antepassados de cada uma terem tido histórias completamente opostas. E perguntam vocês: Como assim?
Existem muitas razões, mas há uma que guardo até hoje na minha lembrança: As mulheres negras quando foram escravizadas fizeram trabalhos braçais exatamente iguais aos que os homens faziam. Não havia espaço para a mulher negra mostrar o seu lado mais sensível, mais frágil. Enquanto as mulheres brancas se insurgiam pelo direito a sair para trabalhar ao lado do homem branco, as mulheres negras já haviam sido obrigadas, desde que haviam sido escravizadas, a fazer tudo aquilo, que muitas vezes ouvimos dizer, que é “trabalho de homem”. Toda a possível sensibilidade, fragilidade de uma mulher negra era reprimida, bem calcada, fazendo todos acreditarem que esse lado nem existia.
E foi aí que percebi a origem daquilo que foi passado de geração em geração. Fomos ensinadas a ser fortes o tempo todo, independentemente das circunstâncias e mostrar um lado mais frágil poderia significar mostrar fraqueza. Não é à toa, que vimos nossas avós, mães, a suportarem muita coisa sozinhas e sempre de sorriso na cara, mesmo que doesse o peito.
Esse sorriso na cara com dor no peito, não deixa, porém, de ter consequências e como um pequeno vírus vai-se alastrando e contaminando os nossos relacionamentos.
Esta carapaça que faz com que as nossas fragilidades fiquem salvaguardadas também impede o outro de entrar por completo na nossa vida.
E nos leva a fazer coisas como :
- ter dificuldade em dizer que não damos conta de tudo, acabando por fazer com que nunca peçamos ajuda, mesmo quando precisamos.
- levantar a voz numa conversa acesa, para nos fazermos ouvir.
- não dar o braço a torcer mesmo quando sabemos que erramos porque não queremos dar o gosto de dizer à outra pessoa de que ela é que tinha razão.
- não chorar mesmo que nos doa.
- entre outros...
E é com isto que acabamos, durante uma vida inteira, a pensar que estamos a ganhar as nossas guerras, mas acabamos por ser colocadas num lugar tão alto e inalcançável que leva ao afastamento do outro e de nós mesmas.
O orgulho foi a minha maior capa de sempre. O orgulho “protegeu-me” de várias coisas, essencialmente de me sentir fraca e impotente perante situações...
Educação Tradicional
E como se não chegasse, para além desta questão histórica havia ainda outro facto que vinha reforçar esse tão vincado orgulho: a educação tradicional.
A educação que nos diz que não podemos chorar porque senão ficamos feias, que quando caímos nos diz que temos de levantar imediatamente e seguir em frente... uma educação que evita a todo o custo, o erro e a imperfeição.
E sem saber, acabei por durante muito tempo manter essa carapaça com o medo de ser magoada, rejeitada, pisada e também vista como inferior.
Mal sabia eu que aquilo que eu estava a procurar evitar fazia com que eu me colocasse numa solidão imensa nessa fortaleza, uma carapaça tão alta e forte que não deixava ninguém entrar, que não permitia que ninguém me magoasse, mas que me magoava a mim pois não me permitia ser eu mesma. Como o super-herói de máscara que por detrás da máscara afinal é apenas um ser humano, com fragilidades, forças e fraquezas, qualidades e defeitos.
O orgulho é tramado...
O orgulho é tramado, ele impede-nos de pedir desculpa quando erramos, porque desculpa é para bananas. Ele faz-nos elevar a voz para nos fazermos ouvir pela força das palavras para que o outro entenda bem que não vai fazer de nós gato sapato, que nós estamos atentas.
Ele também faz-nos acumular cada vez mais funções no trabalho e também na vida pessoal, primeiro porque pedir ajuda é para os fracos e dizer que “não sei fazer algo” é o mesmo que dar oportunidade ao outro de me achar burra...
O reencontro comigo mesma
As primeiras crises de ansiedade que tive foram resultado do meu corpo e mente a pedirem ajuda, a pedirem para serem vistos e valorizados. Foi essa explosão que me levou a conhecer a Rosana sem filtros.
Hoje sei que posso dizer não, quando não consigo ou quando não quero dizer sim. Sei que tenho muito valor e esse valor não é medido pela carga que eu carrego, por ser perfeita ou por não ter emoções, mas simplesmente por eu existir. Sou humana e como qualquer ser humano também tenho dores e devo poder senti-las sem barreiras para aí, sim, lidar com elas e curá-las da melhor forma. E tu? O que o orgulho te tem escondido sobre a tua verdade? Sobre ti mesmo(a)?
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