Trabalho da treta
- Rosana Andrade Pina

- 20 de fev. de 2024
- 6 min de leitura
Antes de começares a ler este texto, aviso que contém ironia e algumas asneiras, pois os nervos eram grandes na hora de escrevê-lo e, exatamente, para trazer equilíbrio mental, tive de deitar tudo para fora e esta foi a forma que encontrei para gerir a minha desregulação emocional, sem me passar. E, porque no fundo, também acredito que alguns dos que vão ler este texto também podem querer dizer algumas palavras semelhantes sobre estas coisas.
Procurar trabalho é uma m***a, desculpem, mas é. Principalmente, quando não sabemos colocar os nossos limites e quando não nos damos ao respeito, para não perder a miséria de oferta, que ofende todos os valores que nos fazem. É uma bela porcaria!
Temos de vender aquilo que temos e não temos para que se agradem de nós e nos contratem.
Quem me dera ser o Cristiano Ronaldo
Queria ser como o Cristiano Ronaldo, que os clubes lutam entre si, como num leilão, procurando dar a melhor oferta, as melhores condições e os maiores números para que ele aceite a melhor proposta, sim leram bem : “A MELHOR PROPOSTA”.
Aquela que dá gosto, que ficas tipo: “Fónix, eu domino mesmo aquilo que faço. Eu sou boa nisto. Isto é que foi uma luta de leões a reconhecerem que o meu trabalho é dos melhores. Que doidões!
Back to reality!
Infelizmente, na sua grande maioria o mercado não funciona assim, muito pelo contrário é o jogador da FIFA que tem de se derramar aos pés do patrão para que este lhe dê uma oportunidade:
“Olha aqui o quanto eu sei fazer isto e aquilo”
“Olha quão bom é o meu cv.”
“Deixe estar que aquilo que eu não sei eu vou aprender, não se preocupem...”
“Vocês estão a oferecer trabalho para 6 mas eu faço o de 10.”
“Vou-me esborrachar toda. Vou dar cabo da minha saúde mental mas não há problema, desde que ao final do mês o salário venha, está tudo na boa, mesmo que nem corresponda ao que eu deveria receber.”
“Em casa está tudo de pernas para o ar, as minhas crianças queixam-se que não passam tempo comigo, eu e o meu marido nem sabemos a última vez que fizemos sexo de tão cansados e irritados que temos andado, mas ao menos as contas conseguimos pagar, é o que interessa.”
É, eu sei, não é fácil. Porque o pior nisto tudo é que se demonstramos desagrado ainda levamos com :
“Se não aceitas tu, outros vão aceitar.”
“O que não falta por aí são pessoas da tua área a precisar de trabalho.”
“Agora com o digital ainda tens sorte por não te substituirmos por uma máquina.”
“A inteligência artificial faz tudo aquilo que precisamos, viramos excelentes profissionais da tua área em apenas segundos, mas ainda assim estamos a dar-te esta oportunidade”
A chamada
Há dias recebi por telefone uma proposta e, imaginem, no mesmo telefonema ouvi todas as barbaridades que referi acima. Enfim!
Mas sabem o que foi pior mesmo?
Foi, ficar furiosa pela conversa em si e ainda mais furiosa por ainda pensar em aceitar a oferta para poder pagar as minhas contas. F***-se! Que m***a.
Só me apetecia dizer não e dizer o quanto a pessoa devia ter vergonha na cara de me dizer toda aquela m***a, aquelas baboseiras. F***-se mas isto tem de ser sempre assim?
De empresa para empresa, por onde passei, fui adquirindo melhores condições de trabalho, fui aprendendo a perceber o que queria e o que não queria mas nem sempre era fácil pois eu sabia o que não queria, mas não sabia dizer não ao que eu não queria.
O olhar do outro e a minha criança interior
Dizer que não ao outro e dececionar-lhe por não aceitar uma oferta tão maravilhosa, é difícil. A criança boazinha que tem de se portar bem para não levar tau-tau, para não magoar e cansar o adulto é acionada de imediato neste corpo de mulher.
Se eu disser não, o que é que eles vão pensar:
“Que sou orgulhosa? Que tenho a mania? Que deveria agradecer o pouco que tenho? Que lhes estou a desiludir?”
Logo eu que sou mulher, deveria ter em conta a sorte que tenho por me darem uma oportunidade.
Quantas vezes deparamo-nos com cenários do género:
“ Tens filhos? Há problema em trabalhar horas a mais?”
“ É mais difícil contractarmos mulheres pois elas engravidam e vão de licença de maternidade e isso não dá jeito nenhum. Se puderes sair da maternidade e vir logo para o escritório isso seria o ideal, um requisito para contractarmos-te.
“Queremos lá saber dessas competências todas que tens, nós queremos é alguém que viva para isto, prescindindo de tudo aquilo que é importante na sua vida, incluindo de si mesma.”
“Queremos alguém que não se dê ao respeito, que aceite condições de merda e que no fim ainda agradeça por não estar na rua.”
“Qual qualificações e competências qual quê, queremos alguém que nem durma, nem descanse porque isso é para os mais fracos, nós aqui só queremos os bons.”
“Estás aqui a trabalhar para sustentar a tua família mas com este trabalho damos-te todas as condições para a destruíres, porque ela não faz falta nenhuma, pelo contrário até atrapalha. Assim como é que ficas as horas todas que precisamos de ti aqui?”
Um caminho tortuoso
Ao longo do meu percurso ouvi muitas barbaridades, vi muitas red flags (bandeiras vermelhas) que me diziam para não aceitar, mas no final acabava por procurar ignorá-las, pois precisava do trabalho.
Falam como querem e nós só temos de baixar a cabeça e dizer sim, pois estamos a precisar. "Pois sem eles não somos nada".
Pensar como o Cristiano Ronaldo
Caraças e se eu pensasse como o Cristiano Ronaldo? Quais seriam as minhas condições em troca do que eu estou disposta a oferecer? E se eu lhes mostrasse que aqui ninguém está a fazer favor a ninguém e que isto é uma troca onde os dois precisam um do outro para avançar?
E se eu largar a porra do medo de ficar na miséria e der com o punho na mesa, dizendo não a todo o desrespeito que me seja feito?
Txiii, isso dava um filme do caraças!
Vá, vamos voltar novamente à realidade. É verdade que nem sempre é fácil dizer não, afinal quando éramos mais novos nem tínhamos de querer, como é que vamos conseguir definir o nosso querer agora, os nossos limites?
Aprendendo a dizer : NÃO!
Ao receber o telefonema com a oferta de trabalho, pensei que mais uma vez estaria tudo perdido, que teria de aceitar uma proposta que sei que não se adequa àquilo que preciso e quero para a minha vida e da minha família, mas no final também tenho contas para pagar.”
Contudo, ouve uma outra voz que veio em meu socorro e me disse:
- “O que o Cristiano faria? Ou melhor, como eu posso ter firmeza no sim ou não que preciso dar?”
E foi aí que decidi sentar em frente a papel e caneta e escrever, refletindo sobre as seguintes questões:
. O que é que eu sou boa a fazer? O que demonstra no meu percurso que sou boa nisso?
. O que quero para a minha vida profissional e pessoal e qual a importância disso? O que eu perco se não tiver isso? E o que ganho se não tiver isso?
. Quais são as minhas qualificações e competências para a função desejada?
. Que limites quero estabelecer, que sejam respeitados seja ao nível de salário, horas e condições de trabalho?
Fui-me munindo de força, compreendendo cada vez mais o que queria e o que não queria. Percebendo bem a importância do que quero e do que não quero e pensando também qual o propósito final desse trabalho, se é algo temporário ou para a vida toda? Se é uma ponte, um sustento para eu poder alcançar outros sonhos ou outra coisa? Porque devo aceitar ou não aceitar esta oferta?
Todas essas questões foram se encaixando na minha mente e construindo aquilo que traria força para uma entrevista de emprego respeitosa. Afinal, eu sou o Cristiano Ronaldo, daquilo que faço.
Tem continuação...
Dizer não, estabelecer os limites é de facto uma luta diária, uma luta com o nosso ego, com o olhar do outro, uma luta com a nossa criança interior, mas no final, qual o custo da nossa felicidade, da nossa vida, da nossa saúde, da nossa família???
Podemos aprender aos poucos: dizer hoje um pequeno não e com o tempo ir perdendo o medo de dizer nãos cada vez maiores e mais importantes, para nós mesmos, para a nossa família, saúde e vida.
O que nos falta é prática e para isso só precisamos de começar, pouco a pouco vamos alcançando o que pretendemos.
No momento em que estou a escrever este texto ainda não tive a tal entrevista para a qual me estou a preparar, por isso, não vos posso dar resposta de como correu, mas uma coisa é certa vou muito mais segura daquilo que pretendo e não pretendo para a minha vida. Desejem-me sorte!
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